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[Entrevista] Série – Entrevista com PCD – Convidado: Eulálio Gutemberg

Nessa entrevista, João Paulo, voluntário no ISC e pesquisador em Química Teórica e Computacional na Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI e pessoa com deficiência- PCD, entrevista o pesquisador Eulálio da Universidade Federal de Viçosa – UFV que também é PCD. A pesquisa de Eulálio se concentra na área da Bioquímica.

 

João Paulo: Eulálio, nos fale um pouco sobre a sua deficiência?

Eulálio: Meu acidente ocorreu em março do ano de 2016 na cidade de Mariana, sendo hoje 5 anos do ocorrido onde em um sítio fui mergulhar em uma piscina e acabei batendo com a cabeça no fundo. No exato momento já perdi o movimento das pernas e pedi socorro. Então alguns amigos me retiraram da piscina e me deitaram de forma que não tivesse movimentos bruscos até chegar o SAMU. Chegando no hospital fizeram um raio-x e detectaram lesão na medula a nível da coluna cervical. No dia seguinte fui transferido com urgência para Belo Horizonte para exames especializados e possível cirurgia. Após exames de tomografia e ressonância constataram fratura óssea a nível C-6 com comprometimento da medula. A cirurgia foi realizada no Hospital Baleia em Belo Horizonte, passando um total de 106 dias no hospital entre CTI e enfermaria. O acidente culminou em tetraplegia traumática com comprometimento de pernas, tronco e motora fina dos dedos.

 

João Paulo: Fale sobre a sua linha de pesquisa?

Eulálio: Um ano após ter sofrido o acidente e estabilizado a saúde, decidi que gostaria de continuar a carreira acadêmica, apoiado pela família e ajuda de amigos consegui ser aprovado no mestrado. Em função dos novos desafios como deficiente físico migrei da bancada para o computador com ênfase em Biologia molecular de plantas foquei na análise de dados de RNA-seq de soja com a finalidade de identificar possíveis genes candidatos responsáveis pela tolerância à escassez hídrica quando comparadas plantas controle com variedades de plantas já conhecidas mais tolerantes. Com dados de transcriptoma em mãos executei experimentos via software de bioinformática que pudessem me retornar possíveis genes super expressos em variedades tolerantes que descrevessem possíveis vias de regulação.

 

João Paulo: Você já sofreu preconceito por ser pessoa com deficiência (PCD)?

Eulálio: Visto minha trajetória de vida e acadêmica ao longo desses quatro anos e meio tenho que agradecer ao enorme apoio que tive em minhas decisões, ao esforço incalculável de minha família e amigos que me deram suporte sempre que precisei. Creio que foram raros os casos que vi o preconceito de terceiros estampados, acho que poderia citar algum caso específico como Uber/taxi ao se deparar com um passageiro cadeirante. No mais, pelo fato de morar em uma cidade pequena onde a maioria das pessoas se conhecem e na maior parte das vezes usar recursos próprios (carro, plano de saúde) não fui alvo de preconceito, mas sei que não é uma realidade de outros colegas que tive a oportunidade de conhecer.

 

João Paulo: Você já ouviu falar em capacitismo (preconceito contra pessoas com deficiência)?

Eulálio: Conheci a definição de capacitismo após o acidente. No início me sentia incomodado por acharem na inabilidade de fazer qualquer esforço independente, mas aos poucos fui tomando as rédeas de muitas situações que me tornaram mais independente. No meio acadêmico sempre tive o tratamento e cobrança como qualquer discente do grupo de pesquisa, e suporte de orientador e órgãos de acessibilidade que me permitissem condições equivalentes de poder executar meus trabalhos e provas.

 

João Paulo: Como você encara a sua deficiência?

Eulálio: Encarar as limitações que uma deficiência física nos impõe não é tarefa fácil, principalmente quando nos vemos dependentes da ajuda de terceiros. Trabalhar o psicológico é a melhor maneira de lidar com a situação e extrair o melhor do que nossa condição nos permite. Poderia lamentar por várias coisas que perdi ao me tornar cadeirante, mas prefiro me alegrar com as conquistas que também vieram após o acidente, é aquela velha analogia de ver o copo meio cheio ou meio vazio.

 

João Paulo: Gostaria de deixar um último recado para os leitores do ISC?

Eulálio: Como último recado gostaria de frisar que a pessoa com deficiência possui a mesma capacidade de desenvolver qualquer trabalho científico, salvo suas limitações físicas e que devemos divulgar para que mais pessoas venham fazer parte da comunidade científica de modo que seu trabalho venha agregar àqueles à sua volta.

 

REFERÊNCIA: https://simaigualdaderacial.com.br/site/voce-sabe-o-que-e-capacitismo-aprenda-porque-nao-devemos-usar-termos-capacitistas/