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Não podemos permitir que o medo da exposição ceda espaço para a ignorância

Atire a primeira pedra o cientista que numa roda de conversa fingiu não saber sobre determinado assunto para não passar como o arrogante-metido-a-sabe-tudo. Essa omissão inocente passa a ser preocupante quando nos abstemos de discutir assuntos pertinentes à população por receio a represálias. E é sobre isso que eu gostaria de trazer algumas reflexões a partir da minha construção como cientista e comunicadora da ciência.

Preciso confessar que foi necessário adquirir muita maturidade para encarar esse mundo negacionista. Dentro da minha bolha acadêmica eu não tinha a menor noção do que se passava além dos muros da universidade. Não tenho vergonha de admitir isso, pois, esse processo traumático me fez querer reverter a situação e me tornar uma pessoa que fosse agregar algo para além da bolha acadêmica.

Quando descobri a quantidade de juízes da Ciência nos grupos de whatsapp, inocentemente, comecei a tentar dialogar, mostrar o conhecimento, sem muita didática. Infelizmente, as fofocas por trás disso me rotularam de metida-a-sabichona. “Quem é ela? Uma menina falando que sabe das coisas?” Certamente, à época esses tipo de comentário vindo principalmente de pessoas muito próximas me magoaram e desmotivaram muito. Fato semelhante aconteceu com uma amiga, ao receber uma fake news daquelas de fazer Rosalind Franklin se revirar no túmulo, ela me relatou o receio que estava em corrigir a pessoa com medo de soar arrogante.

Desabafando com um amigo, ele retrucou: “mas você é sabichona mesmo. Nós somos cientistas! Nós somos pagos para saber das coisas!” A partir daí comecei a ressignificar o ocorrido para entender como eu poderia reverter a situação: continuar meu trabalho sem medo de parecer arrogante por… saber das coisas. Um dos principais pontos é que as pessoas esperam receber as informações científicas vindo daquele estereótipo: homem branco, bigodudo, já em idade avançada. Quando pessoas diferentes dessa idealização passam a se posicionar como detentoras do conhecimento científico a primeira impressão é descrença e descrédito. “O que? Você, novinha, sabe de alguma coisa?”

Percebi também que parte da culpa dessa descrença e descrédito é nossa, como diz o professor Walter Neves: “como a população vai acreditar em um cientista que ele não conhece, que ele nunca viu?”. Uma pesquisa de 2019, realizada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos,  ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), avaliou a Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil. Nessa pesquisa, 90% dos entrevistados não conseguiram citar o nome de um cientista brasileiro, e 88% não conseguiram responder o nome de uma instituição brasileira que realiza pesquisa. O estudo conclui que a população enxerga a importância da Ciência para sociedade, mas sabe pouco sobre ela.

Quanto menos nos expomos mais a população segue acreditando que cientistas são homens brancos, bigodudos, já em idade avançada e seguimos sem respeito por nossas colocações. Então, por que ainda resistimos em nos apresentar como autoridades a qual pertencemos? Além dos pontos aqui elencados, cientistas sabem das incertezas que alimentam a Ciência, temos receio de passar informações equivocadas ou gerar interpretações dúbias, por isso, radicalmente nos silenciamos. Podemos aproveitar essa insegurança para mostrar a população que apesar dos cientistas saberem sobre muitas coisas, nós não sabemos sobre tudo, e nunca saberemos. Talvez esse pacto ajude a aproximar a população dessa profissão tão estereotipada e desconhecida. Cientistas são jovens, idosos, homens, mulheres, cis, trans, brancos, negros, andam de ônibus, vão ao mercado…

Podemos não ter uma resposta na ponta da língua de como o sistema imune reage a vacinas, mas certamente não temos dúvidas de que vacinas não modificam nosso DNA. A população não quer a apresentação da sua tese de doutorado, ela quer entender como a vida funciona e para isso precisamos aproximar o que há de mais comprovado na Ciência.

Com muito respeito, precisamos nos posicionar assertivamente sobre a nossa profissão e a importância dela na sociedade. Ter conhecimento não deve ser visto como arrogância, até porque se aqueles que possuem o conhecimento se abstém de compartilhar as informações, abre-se espaço para a ignorância tomar o lugar da Ciência. E isso não podemos permitir.

Eu sei que esse posicionamento não vem de uma hora para outra. É preciso reflexão, estudo e prática, para aos poucos atingir aqueles que tem sede por conhecimento e infelizmente o estão obtendo nas piores fontes anti-científicas. Mas que essa prática da exposição dos cientistas torne-se corriqueira e consigamos cada vez mais “falar fácil, aquilo que se aprendeu difícil”, como dizia José Reis.

Por que dentro de cada cientista existe aquela chama, muito bem descrita por Dom Duarte, de “ensinar a outrem o que de outrem não pude aprender”. A população precisa de nós, mas primeiro precisa nos conhecer. Quando a população conhecer seus cientistas, juntos podemos construir o projeto de país que queremos. Juntos podemos mostrar a importância da educação científica para todos. Podemos ser reconhecidos e assim requisitados, ao invés da população se deleitar em fontes duvidosas.

Para se inspirar: Reflexões sobre a divulgação científica http://portal.sbpcnet.org.br/publicacoes/jose-reis-reflexoes-sobre-a-divulgacao-cientifica/

Sobre a autora:

|Jordana Oliveira é formada em Biologia (UEPG), mestre e doutoranda em Genética (UNESP), investiga a origem de pequenos RNAs regulatórios em cromossomos supranumerários. Atua na área de Evolução Molecular e Genômica e busca compreender os conflitos genômicos que envolvem genes saltadores (elementos transponíveis) e evolução de RNAs não codificantes. Integra a equipe do “Ciência brasileira é de qualidade”, e é criadora do perfil “Voando Alto Ciência”, espaço de divulgação sobre a importância da Ciência e dos cientistas, sobretudo os pós-graduandos, para o avanço da sociedade.