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Pseudociência e o novo Coronavírus

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, muitas teorias foram levantadas a respeito de sua origem indo do estritamente científico ao tom conspiratório, chegando a ser cogitado que o vírus teria sido criado em laboratório na China e está sendo usado como arma biológica. Claro que, como toda boa teoria conspiratória, essa história já caiu por terra 1. Com vários pareceres de especialistas de todo o mundo, a confirmação de que o vírus surgiu naturalmente através de processo evolutivo acelerado, inerente dos vírus, e a fatalidade de sua transmissão para a espécie humana a partir do consumo de carne de morcegos, veio à tona ainda no início deste ano 2.

Porém, o debate em cima de tratamentos e cura ainda está quente, e muito tem sido recomendado, baseado em todo tipo de argumentação embasada ou não em ciência. Nessa enorme gama de tratamentos alternativos à Covid-19, já foi recomendado água sanitária 3 e urina de vaca 4, e uma extensa lista de outros rumores podem ser encontrados na referência 3. O desespero por uma cura abre espaço e atenção a todo tipo de pseudociência na busca pelo alívio e por respaldo para à volta a uma vida normal. Afinal, com um tratamento eficiente ou uma cura fácil, teríamos permissão para furar a quarentena e voltar à nossa rotina aglomerativa por todo lado, contrariando todas as recomendações de cientistas e da Organização Mundial da Saúde, certo? Não é bem assim.

Graças à internet, e a facilidade com que a informação é transmitida nos dias atuais, as mentiras se espalham numa velocidade sem precedentes. A própria Organização Mundial da Saúde chegou a classificar essa onda de “fake news” como uma epidemia de desinformação: ou “infodemia” (infodemic) 5.  Entretanto, isso abre a possibilidade para que elas sejam contestadas e corrigidas quase que na mesma frequência. O pesquisador Timothy Caulfield, que pesquisa o conhecimento em saúde na Universidade de Alberta no Canadá, em artigo na revista Nature 6 afirma que nunca foi tão importante o combate à desinformação e “nunca viu isso ser tomado tão à sério como está sendo agora”.

Caulfield faz um chamado à toda a comunidade científica, em prol da educação científica de qualidade à população. É nosso papel, enquanto pesquisadores e divulgadores, buscarmos cada vez mais informação de qualidade e alertar a população sobre à pseudociência. Para tanto, o cientista canadense faz algumas recomendações:

Primeiro, temos que parar de tolerar e legitimar a pseudociência na saúde, especialmente em universidades e instituições de saúde.” Esse tipo de atitude pode, e deve, ser levada de forma saudável a todas as áreas do conhecimento. Um exemplo é o uso de homeopatias para Covid-19 (e outras doenças), visto que não há evidências de que homeopatia não funciona melhor que qualquer placebo. No Brasil a homeopatia é tratada como ciência, e incluída até mesmo na atenção básica à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS). Prática essa que escancara nossa falta de alfabetização científica tanto em parte da de profissionais da saúde quanto na administração que regulamenta tais práticas enquanto políticas públicas.

A luta contra a pseudociência é enfraquecida se instituições médicas confiáveis condenam práticas sem evidências sólidas em um contexto e legitimam em outro. Nós precisamos de boa ciência o tempo todo, mas principalmente durante desastres.” – Timothy Caulfield

Um argumento comumente usado pelos defensores das pseudociências é que mal não faz e que, de certa forma, pode aliviar o estresse do paciente, levando a um estado mental de otimismo que justificaria o uso das terapias sem evidências. Porém, Caulfield é certeiro ao afirmar que “é inapropriado enganar as pessoas com pensamentos mágicos, e é inapropriado para cientistas deixarem essa desinformação passar despercebida”. Enquanto pesquisadores e/ou profissionais de saúde, é nossa responsabilidade nos basearmos em evidências, e não apostar com a vida alheia testando terapias que não possuem evidência científica. Além de assumir o compromisso em manter a população informada, pois a sociedade, como um todo, é afetada negativamente (economicamente principalmente) com a propagação descontrolada de pseudociências.

Segundo, mais pesquisadores deveriam se tornar participantes ativos na luta pública contra a desinformação”. O argumento aqui se baseia no fato dos entusiastas das pseudociências fazerem uso do jargão científico para promoverem suas terapias, de forma que, ao público leigo, o discurso soa como ciência. Você já ouviu falar na cura baseada na física quântica? No uso da energia dos cristais para alinhamento dos pólos energéticos do corpo? Na memória da água como argumento para o funcionamento de homeopáticos? Então, é tudo uma furada. Buscar informação em fontes seguras, de pesquisadores renomados, com histórico na ciência, nunca foi tão necessário.

É realmente necessário falar que a física quântica não explica a homeopatia e terapias energéticas como o reiki.” – Timothy Caulfield

Neste sentido, é de grande importância que a comunidade científica aumente os esforços na disseminação de informação de qualidade, de fácil acesso e linguagem simples, de forma a garantir que a boa ciência funcione como uma vacina contra a pseudociência. A única forma de garantir que o discurso pseudocientífico não prevaleça é espalhar informação verdadeira, checada, baseada em evidências, e de qualidade.

Sobre o Autor:

|Luiz Ladeira

Luiz é Bacharel em Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) (2014) e Mestre em Biologia Celular e Estrutural – UFV (2017). Atualmente desenvolve sua pesquisa de doutorado na mesma instituição, onde estuda os efeitos de fitoterápicos na doença cardíaca induzida pelo diabetes tipo 1.